quarta-feira, 27 de maio de 2009

A atualidade da Filosofia


A atualidade da Filosofia. O papel da filosofia frente à afirmação do sujeito na contemporaneidade.

Cecília Pires

possívAs comemorações, as festas, os dias históricos fazem parte da vida cidadã, que deveria ser uma vida de alegria. Lembrar, comemorar, festejar faz parte dos nossos ritos e costumes culturais. É uma forma de viver, uma forma de exercer a cidadania.
A filosofia nos ensina a viver e por isso comparece a esses festejos como fazendo parte da vida dos cidadãos, porque sua origem remete ao envolvimento com as questões da cidade, que os gregos nomeavam como polis. Daí a significação da política como decorrência da atividade dos que vivem na cidade e que aí podem buscar a vida feliz.
A filosofia pretende refletir sobre o mundo e os habitantes do mundo. E tudo o que se torna el, a partir do conhecimento.
Para desenvolvermos essas questões tomaremos 3 movimentos de raciocínio:

1. A idéia do compromisso/engajamento
2. Pensar o mundo e refletir sobre os desafios da sociedade
3. As experiências históricas e os filósofos – qual a caverna atual?


1. A idéia do compromisso/engajamento
É presente no pensamento dos gregos, onde nasceu a filosofia, a busca da felicidade. E para que se atinja tal meta, faz-se necessário conhecer-se, saber de si, buscar-se a fim de poder efetivar esse saber de si, dos seus desejos e poder ser feliz pela reflexão, pelo conhecimento e pelo compromisso com a cidade. Sócrates e Platão se envolveram com as coisas da cidade.
Assim narra-se um certo começo da Filosofia, via Platão, com a vida, o pensamento e a morte de Sócrates. Hannah Arendt irá referir no seu texto A Dignidade da Política que Platão se revoltou profundamente com o assassinato de Sócrates, decretado pelos senhores de Atenas, e postulou um distanciamento da filosofia com a política. Uma vez que os políticos não reconheceram o filósofo, há que pensar uma República de filósofos e não de políticos. Hannah Arendt reitera que esse episódio pode ser entendido como o momento da ruptura do fazer filosófico e moral com o fazer político. Retiram-se os filósofos da cidade e das eventuais influências dos cidadãos sobre o pensamento e vice-versa.
Ao comemorarmos o Dia Mundial da Filosofia e pensarmos no seu papel afirmativo na sociedade, no momento atual, é possível que tenhamos de nos ocupar com as situações nas quais os sujeitos pensaram e viveram o mundo, nas contingências de suas histórias pessoais e coletivas.
Vimos que a filosofia, nas suas origens, começou com o compromisso e a proximidade dos filósofos com o cotidiano da cidade e da vida política dos cidadãos. E essa referência pode nos ajudar a pensar em que medida, hoje, nós que nos ocupamos com a filosofia nos envolvemos com a cidade e a vida dos cidadãos?! Quem faz filosofia, nesse momento, no Brasil e no mundo, de que se ocupa? o que estuda? sobre o que reflete? a respeito de que se pronuncia?
Esse conjunto de questões pode nos auxiliar na verificação do nosso fazer filosófico, no nosso envolvimento com as questões atuais, quando também comemoramos 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos, 40 anos do Maio de 68 e 20 anos da Constituição Federal, a chamada constituição cidadã.
Em que medida, os intelectuais se traduzem pelo compromisso e engajamento com as situações vividas?! Ou a filosofia, em particular, e o pensamento, em geral, não devem debater os assuntos da polis?
Sartre chamava atenção para o papel dos intelectuais, destacando sua atitude de intervir na opinião pública, tendo uma função socialmente reconhecida[1]. E distingue os sábios e pesquisadores dos intelectuais. Se há cientistas que pesquisam sobre a fissão do átomo para aperfeiçoar as tecnologias da guerra atômica e aí se detém, não são intelectuais. Mas se esses mesmos cientistas preocupados com o poder mortífero de tais armas se manifestam contra o uso da bomba atômica, então passam a desempenhar o papel de intelectuais.

Sabemos que há muitas controvérsias acerca do que fazer filosófico: há identificações da chamada boa filosofia ou filosofia pura, como se houvesse a má filosofia ou a filosofia impura. Essas idiossincrasias parecem não contribuir para o efetivo exercício de um pensamento filosófico comprometido com as questões do tempo e da história da humanidade.
De que modo podemos falar da Filosofia, na situação em que nos encontramos? Qual é esse tempo que nos corresponde falar de filosofia de modo reflexivo e atuante?!
Talvez devêssemos re-fundar as questões, a partir das quais nos envolvemos com os demais saberes e conquistas tecnológicas e científicas. Pensar nas precariedades do ser e estar no tempo e no espaço em que estamos pode resultar em novas significações do fazer filosófico.


2. Pensar o mundo e refletir sobre os desafios sociais

As investigações dos filósofos construíram elementos conceituais sobre subjetividade e objetividade que permitiram dois domínios, o subjetivo e o objetivo, que só podem ser entendidos como recurso dos argumentos lógicos, mas que não estão assim no mundo da vida, de forma dividida. O sujeito é uma totalidade concreta. O humano vive a sua humanidade tanto como esfera de consciência, quanto como esfera do mundo, cujo reconhecimento dá-se pela consciência. Assim, pensar dicotomicamente os domínios do subjetivo e do objetivo é pensar a racionalidade fragmentada, pois o interior olha o exterior e ambos se necessitam, existencialmente, para dizer o mínimo. A razão para funcionar precisa estar integrada consigo mesma. Só assim é possível pensar em termos de intersubjetividade, cuja perspectiva é unificadora de racionalidades em movimentos de interioridade e de exterioridade.
Para que se trabalhe o conceito de subjetividade nas determinações contemporâneas, há que dimensioná-lo na arquitetura epistemológica da Modernidade, cuja inspiração máxima é a autonomia do sujeito do conhecimento. Com isso, é possível postular o núcleo unificador do conceito, buscando na subjetividade o fundamento de uma racionalidade que se organiza socialmente, que se estrutura normativamente e que interage com outros sujeitos nas diferentes esferas da vida prática.
A forma como se articularam os discursos em torno do sujeito e do exercício de sua subjetividade, de certa forma, prejudicou a compreensão do verdadeiro significado de sujeito. Nos antigos, o conceito não se apresentou; falava-se de indivíduo e isso se estendeu até os medievais. A idéia de sujeito está vinculada à idéia de autonomia; a racionalidade moderna deu-lhe muito destaque, o que produziu uma espécie de soberania da razão. Isso resulta em duas ordens de efeitos: um primeiro que é um olhar para si mesmo; um segundo que dificultou um outro olhar além de si mesmo, resultando no esquema de um sujeito abstrato, próprio da lógica idealista.
É necessário que se pense numa outra articulação de discurso com a prática, algo que estimule o processo de emancipação do humano, na sua dimensão histórica e social, na dinâmica da liberdade. Aí se pode entender a eticidade como expressão de uma cultura solidária, além do individualismo ético, tendo intenções de trocas valorativas nas diferentes instâncias dos saberes, sejam elas micro ou macrosocietárias.
O paradigma do sujeito só pode ser entendido nas condições da subjetividade, realizando situações comuns. Afirmam-se descontinuidades que se polarizam a um centro ético comum, realizado pela intersubjetividade. O sujeito pensa e age. Nesta ação constrói o seu ethos. Os princípios e os procedimentos das subjetividades movidos pela razão ética abrem campo para um novo tempo de diálogo intersubjetivo.
Este mundo da subjetividade, organizado no interior de um pensamento que sabe acolher o cotidiano, propicia o entendimento de singularidades e pluralidades na realização da intersubjetividade, não apenas numa cilada da razão instrumental, mas como momento realizador da teoria e da práxis pelos sujeitos.
No desafio dos tempos atuais, temos algumas certezas, como o fato de que os paradigmas não são definitivos. Em uma relação ética, os valores são do sujeito, na medida em que se referem à sua individualidade e as atribuições de valores às coisas resultam invariavelmente das decisões dos sujeitos em valorarem isto ou aquilo. Assim pode-se verificar que o valor atribuído à vida, à saúde, ao dinheiro, ao poder expressam as compreensões dos sujeitos face a essas realidades, sejam elas materiais ou simbólicas. Exercer plenamente a cidadania se insere nesse âmago do valor, enquanto valor dos sujeitos e valor da sociedade organizada por esses sujeitos.

Ä A razão ética, como uma expressão viva da Filosofia

A razão ética busca produzir uma atitude efetiva na construção de valores, mais do que um argumento. É uma fala e uma prática de interesse intersubjetivo, de consolidação de laços sociais, éticos. Trata-se de pensarmos no discurso e na intencionalidade de uma consciência moral do sujeito, não só vinculada às normas, mas com o objetivo de construir no mundo da vida as condições de possibilidade para que se estabeleçam relações intersubjetivas comunicacionais, superadoras de um simples agir estratégico.
Essas relações querem produzir a emancipação dos sujeitos e estimular o interesse comunitário e solidário. A razão ética é uma razão-fundamento da práxis, que pode permitir a consolidação da democracia. O essencial dessa racionalidade é a rejeição das formas violentas aniquiladoras da subjetividade, seja por mecanismos formais, seja por controles simbólicos de outras formas de poder.
Ao pensarmos em razão ética como uma racionalidade capaz de produzir convicções nos sujeitos, entendemos sua inserção no espaço da subjetividade articulada em ações significativas de um sujeito a outro sujeito. Ou seja: postulamos a idéia de valor, associada à compreensão de um ethos que se vincula a uma consciência, a qual se situa numa sociedade, numa cultura, numa nação, num povo. Valor, na compreensão de que as pessoas se pautam por valores, cujos conteúdos podem variar. Há, pois, a idéia de que todos possuímos valores – isto é consenso, mas nem todos temos a mesma compreensão acerca dos significados dos valores – isso é o dissenso. Situando esse referencial ético aliado à questão das ações racionais dos sujeitos é que podemos circunscrever as ações intersubjetivas e qualificá-las como condição de posssibilidade para a construção da ética da paz.
Ao identificarmos a razão ética como o eixo articulador do processo emancipatório das subjetividades e das intersubjetividades, na perspectiva atual da filosofia, é possível que tenhamos que repensar o pacto social e, consequentemente, o papel do Estado como o administrador dos conflitos. A forma histórica pactuada não conseguiu eliminar a violência, nem desincumbir-se da guerra.
Para que pensemos o fazer filosófico pela mediação da razão ética é importante refletirmos sobre a necessidade de uma ética da paz, tendo em vista a ampliação dos cenários de guerra ainda neste século. Se tomarmos apenas os limites do século XX até hoje tivemos 90 anos de guerra. Filósofos como Sartre e Hannah Arendt denunciam a guerra, analisando as decorrências bélicas nos seus respectivos países.Tudo isso potencializou-se, atualmente, com muita sofisticação e sedução.
O Estado que aí está apresenta-se ambívalente diante desses conflitos; até mesmo como poder regulador, não consegue transitar por interesses distintos e fracassa na própria dimensão da governabilidade. É evidente que esse artefato, cujo componente político é o exercício do mando, explicita-se na esfera, também, das subjetividades que o sustentam e o reconhecem, embora, é lógico, tais regulações do poder não ocorram no vazio, uma vez que ele existe pela vontade dos sujeitos que o desejaram. E seus controles se exercem desde a coerção física, passando pela administração de todas as esferas da vida pública até o controle da ideologia necessária para seu sustento.
No exame da governança do Estado, essa construção jurídico-política dos homens, deve-se avaliar que esse aparato simbólico é fruto da decisão da vontade e da liberdade dos cidadãos que assim desejaram viver socialmente. Não é um ente estranho ou uma aberração da natureza; é um dado da cultura humana, que pensou em criar um aparato formal para regular as ações dos sujeitos, a partir de uma instância soberana, mas que não tem vida própria. A vida do Estado decorre das escolhas ético-políticas dos sujeitos, que pensam e viabilizam uma vida feliz para todos, ou não. Esta é uma escolha ética no âmbito da vontade livre dos sujeitos. Esta é uma tensão experimentada na vida social, resultante do exercício da liberdade do sujeito e do enfrentamento das determinacões da socialidade, da esfera pública.
Vivemos nossas dicotomias nesse enfrentamento:
Que valores assumimos, a partir das raízes históricas da nossa colonização? Como estabelecermos alianças de libertação com os segmentos nacionais e internacionais que buscam a superação da razão oprimida? Como construir ações sociais como ações emancipatórias?
O enfrentamento, enquanto ação política, desgasta, exige tenacidade e coerência e essas exigências nem sempre são as escolhas ético-morais dos sujeitos sociais.
Não faz parte da razão do Estado ir ao encontro da razão ética. Sua intenção é a de tutoria, de administrar o que entende como possível, de estimular a competitividade e de realizar a fala do poder. A razão do sujeito está, na maioria das vezes, submetida à razão da fala do poder, ainda que o saber pudesse realizar o confronto.
A reflexão ética requer o trato com o universal,se perder a perspectiva da singularidade. A razão da sociedade civil precisaria aliar-se com a razão ética para poder enfrentar a razão do Estado. Tudo isso, no entanto, requer um resgate valorativo, político e ideológico, que retire os véus conciliadores de práticas subservientes e procedimentos pragmáticos, utilitaristas.
Pensar a razão ética do ponto de vista da filosofia é ir além dos meros indicadores de máximos e mínimos; é destacar a importância do reconhecimento de um sujeito por outro sujeito, para ser pensada uma racionalidade intersubjetiva.
O consenso não é nem gerenciado pelo Estado e nem administrado pela sociedade civil. Pode, talvez, ser pensado a partir de situações em que os envolvidos nas ações possam produzir interesses emancipatórios, preservadores da liberdade e da felicidade, ambas características da condição originária da espécie. Pensar, pois, a política é pensar a ação nos contornos da ética.
Qual será o desejo de uma razão ética? Talvez, seja a utopia de um estado ético, cuja conformação pudesse aliar as relações intersubjetivas com vistas a um desenho da democracia possível. Mas a condição postulada no contrato não foi a do compromisso ético e sim a da governabilidade política. A diferença histórica entre ética e política faz-se notar quando as questões estruturais da organização social enfrentam-se com as tensões do mundo do sujeito.
Atualmente, fala-se muito em combater o terror, antes era o combate e a crítica aos totaltarismos. O terror de qualquer origem implica em violência ética, portanto em violência do sujeito. Nosso entendimento é que o processo produtivo deve ser uma experiência de todos os cidadãos da pólis e que as questões políticas possam ser pensadas a partir de referenciais éticos, cujo caráter afasta a ameaça da violência instituída e instituinte.
Há necessidade e contingência nesse processo. A necessidade explicita-se sobre o desejo do ideal grego da eudaimonia, em que os homens querem ser felizes. Esta é uma busca ética possível. O ser afortunado, o ser feliz é um desejo humano. A contingência demonstra as muitas dificuldades dos sujeitos em conseguirem trabalhar suas racionalidades para a realização do ideal de vida feliz. A negatividade, a escassez, a beligerância, a dominação econômica e política interferem na materialidade da vida e há uma espécie de imposição da dor, do sofrimento, do fracasso, da guerra, da força.


3. As experiências históricas e os filósofos – qual a caverna atual?
Debatendo o que fazer do filósofo, Sánchez Vázquez no livro Filosofía y Circunstancias, publica um ensaio Modos de hacer y usar la Filosofía, no qual discute a pluralidade do que fazer filosófico e do ofício do filósofo.

“Baste comparar cómo hacía filosofía Sócrates en la calle interrogando al primer ciudadano que pasaba por allí, o al zapatero de la esquina. Y cómo en este diálogo con los iniciados filosóficamente, aunque preocupados como seres humanos por la verdad, la justicia o el bien, el filósofo de Atenas hacía parir em ellos – com el concurso del - los conceptos de verdad, justicia o bien” (VÁZQUEZ, 1997, p. 52)

Estas questões preliminares asfaltam um caminho epistemológico para que se possa afirmar a idéia de que a Filosofia e seu ensino estabelecem relações de cumplicidade tanto na compreensão sistêmica da realidade, quanto no registro da história do pensamento filosófico, que evidencia os momentos mais diferenciados do processo civilizatório, por meio da razão humana.
O fazer filosófico implica na dinâmica de pensar totalidade, singularidade e diversidade. A Filosofia postula os fundamentos de uma abrangência possível, na perspectiva de uma universalidade realizável, envolvendo necessariamente a compreensão da vida do homem no singular e no diverso. Elaborar os pressupostos filosóficos que envolvam significações acerca do real, é indicar caminhos, construídos pelo conceito, onde o mundo, a natureza e a história constróem parcerias. A Filosofia se envolve, portanto, com interesses.
“Si la filosofía es una reflexión sobre la situación del hombre en el mundo, sobre las relaciones que los hombres contraen en esa relación, y sobre el conocimiento que los hombres tienen de unas y otras, y si la filosofía misma se hace en una época y sociedad determinadas; es decir, en un mundo en el que se libran conflictos, choques de intereses, la filosofia no puede sustraerse, a ese mundo, y en cuanto actividad humana que pone al hombre, a sus ideas, a su comportamiento, como objeto de sus reflexiones, es siempre filosofía interesada”. (VÁZQUEZ, 1997, p. 53)


Desse modo, pode-se falar em filosofia de (alguma coisa), porque já se refletiu sobre a filosofia, enquanto exercício da racionalidade, processo específico do pensar e do investigar. As diferentes áreas do saber determinam-se e fazem o seu corpus teórico em torno de seus objetos específicos de investigação, a partir de olhares hermenêuticos regionais. Assim, tem-se a educação, a história, a sociologia, a política, a geografia, a religião, o direito como interlocuções, cujos critérios de validez se definem pela racionalidade e logicidade dos argumentos. A filosofia é ela mesma, enquanto província do saber, o olhar da totalidade e da singularidade. Percorre o real da forma mais ampla possível, por isso é entendida como a ciência dos fundamentos, da construção dos postulados, que podem ser utilizados nas demais ciências. Nesse peregrinar, busca, também, refletir sobre o sujeito do conhecimento, o lugar do intérprete; daí ser possível realizar a hermenêutica, como uma expressão da subjetividade. Isso não lhe confere nenhum atributo de infalibilidade e de domínio sobre os dados dos saberes e sobre as ações dos sujeitos.
Essa característica da Filosofia não lhe dá nenhum privilégio. Antes, lhe assoberba de responsabilidade, pois, ela se opõe ao discurso da prepotência. Só é prepotente quem é ingênuo, a quem falta a compreensão crítica. Como a Filosofia é ela mesma a própria crítica, logo não se alia à prepotência, sob pena de estar experimentando a ingenuidade. Atitude filosófica e atitude crítica são equivalências da racionalidade Recorre-se, novamente, a S. Vázquez: “No existe LA FILOSOFÍA com mayúsculas sino una pluralidad de filosofias, pluralidad que cede paso no a una filosofía sino a una nueva pluralidad”[2].
Na alegoria da caverna, Platão mostra o aspecto da ingenuidade e da crítica. Aí, demonstra que os sujeitos amarrados ao mundo das sombras desconfiam dos que se libertaram das amarras e chegaram ao mundo da luz, da sabedoria. É pedagógico o procedimento da ruptura do mundo das sombras com o mundo da luz. Este é um ato pedagógico e um ato crítico. É a coincidência, novamente, entre o saber filosófico e o seu ensino, experimento, cujo laboratório de testes é o próprio processo de descoberta de novas leituras de realidades, de novas dimensões da história e do conhecimento humanos.
Este é um desafio teórico-hermenêutico de grande significado, neste alvorecer do século XXI, quando a filosofia, aliada à questão do ensino e ao próprio ato educativo, apresenta-se como uma compreensão teórica voltada à dimensão vivencial do ato pedagógico, o qual também é um labor teórico, antes de ser um experimento pragmático, apenas.
Desse modo, o sentido do fazer filosófico pode ser entendido como um ato vinculante ao estar no mundo de forma interessada, nem sempre no movimento de um espírito reconciliado, onde o consenso possa se estabelecer. Muitas vezes esse fazer se envolve com antinomias, contradições, diversidades, dissensos. E isto porque o fazer filosófico, em sua especificidade, não é apostólico, proselitista ou ideológico. É o olhar atento ao que ocorre no tempo e no espaço, em que os sujeitos estão inseridos, realizando seus saberes e aprimorando suas competências.
Nessa dinâmica verificam-se mudanças, que produzem desafios a serem interpretados, exigindo novas atitudes de quem se ocupa com a filosofia.

“Cambiam (...) de una época a otra los problemas que pasan a primer plano; cambiam las soluciones a un problema ya planteado; cambia la función social de la filosofía y cambia asimismo el modo de ejercela, de practicarla; es decir, cambia el de filósofo”. (VÁZQUEZ, 1997, p. 52)

Tais mudanças interferem diretamente no ensino da Filosofia, nas possibilidades do fazer e nos desafios desse fazer. Um dos desafios é o método do filosofar.
Esse método pode nos levar a pensar que os filósofos têm um compromisso com o seu tempo. Sartre e Hannah Arendt, nas suas perspectivas se pronunciaram sobre os acontecimentos do Maio de 68, analisando, debatendo, criticando, tentando compreender o acontecimento. Pensar nos avanços e recuos da humanidade é exercer o oficio de filósofo e de intelectual. É estar voltado para o foco do mundo e não escondido na caverna, onde as sombras impedem a contemplação da luz.
[1] Em conferências pronunciadas no Japão depois do Maio de 68.
-+
[2] Cf. Sanchéz Vázquez, Filosofía y circunstancias, p.52.

Nenhum comentário:

Postar um comentário